terça-feira, 1 de novembro de 2011

O Desejo




- Entra no carro.
- Espera, esqueci do casaco, volto já.


A noite apresentava-se fria nesta véspera da noite dos mortos, por coincidência a Lua estava cheia com ligeiros traços de nuvens toscas.


- Estou pronta, podes arrancar.
- Queres mesmo ir em frente com o plano de hoje?
- Sim, claro. E tu?
- Sim...
-Então vamos para chegarmos a horas, estou bastante excitada e ao mesmo tempo nervosa.
- Eu também...


Toninho, como o chamavam, era um rapaz da aldeia, de boa família, bem educado, gostava sempre de agradar a todos e pouco se importava com ele próprio. 
Um certo dia de verão conheceu, Alice, apaixonou-se de imediato.


- Estava cheia de saudades tuas, mal podia esperar para apanhar o comboio e vir ter contigo, obrigado por me vires buscar à estação.
- Era o mínimo que podia fazer por ti. Por nós...


Alice, uma jovem da cidade, conhecera Toninho no primeiro dia de curso de Equitação, junto à aldeia dele, numa herdade muito bonita. Era ele quem dava os conhecimentos básicos do cavalo, e foi assim que ambos se conheceram. 


- Sabes, sobre o nosso, o meu desejo para esta noite, a nossa primeira vez, quero que seja especial e memorável.
- Eu também, mas...
- Mas??
- O teu desejo é assim um pouco, mórbido...não podia ser no celeiro? Ou junto ao rio na barraca de verão? 
- Podia, mas é demasiado banal...
- Pois, fazer amor pela primeira vez num cemitério à noite, em cima de uma campa e com este frio, não dá muito jeito.
E se somos apanhados?
- Ora, podes ser apanhado em qualquer outro lugar, além disso ninguém chateia os mortos...
-Mas tem havido alguns roubos ultimamente, levam de tudo, a aldeia tem estado mais atenta, sabes.
- Não te preocupes, vai correr tudo bem, amor.


Alice, perdeu a sua virgindade aos dezoito anos e depois disso, não queria outra coisa. Era muito...irrequieta e traquinas, namorava bastante, mas dez anos depois andava mais calma.
Toninho com os seus actuais vinte cinco anos, era ainda um rapaz virgem em todos os aspectos, no que tocava ao sexo. Mal sabia ele que, Alice, era uma experiente na área. Que sorte a dele.


- É ali à frente?
- Sim, onde começa o muro.
- Então porque paramos aqui?
- Não queremos chamar atenções, além disso, Ernesto, o coveiro da aldeia, mora naquela casinha, é ele que toma conta do cemitério, está sempre bêbedo, a esta hora já não dá por nada, penso eu.
- Porque bebe tanto?
- A mulher dele morreu ainda gravida, não se sabe como, mas, nunca superou isso, então bebe para esquecer. Além disso enlouqueceu, acho que o desejo de morrer é mais que muito e já tentou acabar com a vida umas quatros vezes desde o acidente.
- Da mulher?
- Sim, mas faz bem o seu trabalho, apesar de desejar ser ele o defunto cada vez que abre um buraco...falando em buraco, as mulheres da aldeia andam por aí a dizer que ele arranjou uma espingarda, não se sabe onde, mas que a tem, tem.
- Como sabem se a tem?
- Não sabem, até porque ninguém entrou na casinha dele desde que começou a trabalhar como coveiro. 
- Pois, as cuscas são mais que muitas, nunca é informação de se fiar.
-Chega de conversa, vamos.
- Espera, porque ninguém entrou na casinha dele?
- Ele não deixa e fecha a porta a sete chaves, diz que ninguém tem que se meter na vida de maluco dele, para o deixarem morrer sossegado. Já nem lhe ligam nenhuma, é um coitado que para ali anda.


Alice, estava agora curiosa sobre, Ernesto o coveiro. Algo despertou a curiosidade dela acerca da casinha. Porque ninguém entrara na casinha? Pensava ela que até podia ser Ernesto, que andasse a roubar as campas para poder comprar bebidas.


- A porta do cemitério está aberta, espera aqui, Alice.
- Não me deixes sozinha.
- Eu não me demoro, volto já, fica aqui.


A curiosidade era mais que muita para ambos, enquanto Toninho averiguava o porquê da porta do cemitério estar aberta àquela hora, Alice por sua vez, decidiu ir espreitar a casinha de Ernesto. 


- Alice, alice, vem cá, depressa.
- Que foi?
- Vem comigo, quero mostrar-e uma coisa.
- Olha.
- Oh meus deus, está morto??
- Não, está é bêbedo que nem um cacho de uvas pisado.
- Mas ele nem se mexe.
- Está a dormir que nem uma pedra e...olha, é uma espingarda debaixo do braço, afinal ele tinha mesmo uma. Quem diria que as velhas tinham razão...
- Toninho, mudança de planos, vamos espreitar a casinha.
- Estás doida??
- Que mal tem? Ele está aqui bêbado até dizer chega, ir espreitar a casinha não tem mal nenhum, não tens curiosidade?
- Bom, ter até tenho mas...
- Então vamos, não podemos perder tempo.


E lá foram os dois até à casinha, uma porta de madeira mal tratada mas ainda assim, forte. Dentro de casa, um ambiente  acolhedor, pequeno com um candeeiro aceso que iluminava a sala-quarto, uma espécie de dois em um mas com cheiro bem desagradável. Muitas fotografias de Ernesto e a sua mulher, Júlia.


- Toninho, vamos fazer amor aqui mesmo, na cama dele, estou excitadíssima, tem que ser agora.
- Bêbedo como ele está nem se levanta, verdade seja dita, estou tão teso que nem um cavalo.


Alice começou a tocar em Toninho nas partes íntimas de tal modo selvagem que este ficou estático, deixando mesmo ela fazer o que bem queria, pela primeira vez sentiu uma boca quente no seu pénis, nos seus mamilos, até que sucedeu a inevitável penetração, da qual tanto ansiava ao longo da sua vida...


- Toninho...Toninho?
- Sim...
- Foi espectacular...não tenho palavras...acho que foi a melhor de todas...
- Hum? A melhor de todas?
- Ahhh, sim...quero dizer, a melhor das expectativas...sem ser combinado...hum, em vez de ser no cemitério, entendes?
- Há bom, pensei outra coisa.
- Estou cheia de sede, podes ir ali ao frigorífico...vê se tem água fresca, por favor.


Toninho, levantou-se da cama ainda despido e deslocou-se ao frigorífico, abriu e pegou numa garrafa de água de litro e meio que estava na porta, em baixo, e ao levantar-se, Ernesto premia o gatilho da sua espingarda e disparara dois cartuchos em direcção à cabeça de, Toninho, esta rebentara em segundos. À medida que o corpo tombava no chão, Alice gritava freneticamente e sem pausas até que...se calou.


- Júlia, sua cabra...voltaste para me enganares outra vez com outro??? Na nossa cama???
- EU NÃO ME CHAMO JÚLIA, SOU A ALICE...
- Tu és um bicho de sete cabeças com sete nomes e sete pecados, vádia...
- NÃO, POR FAVOR, EU PEÇO DESCULPA, SOCORRO...
- Aqui ninguém te salva, eu sou o coveiro lembras? Casaste comigo e já sabias ao que vinhas, mas desta vez vens para ficares, é a segunda vez que te vou enterrar, não vai haver uma terceira, acredita nisso, amorzinho...hahahahaha.


Ernesto com a sua espingarda, atinge dá uma pancada seca,  nuca de Alice, esta cai para o chão inconsciente e é arrastada até ao cemitério onde se encontra um buraco já aberto e profundo. O seu corpo é atirado para lá, para aquele fundo escuro e seco, Ernesto começa agora o seu trabalho de coveiro e vai tapando o buraco lentamente.
Quando chega ao fim do seu objectivo, chora despedindo-se de Júlia, colocando os canos da sua espingarda por baixo do queixo e premindo o gatilho...morte instantânea.



FIM