domingo, 28 de novembro de 2010

Reencontro

Décimo terceiro andar, não tinha mais por onde subir, estava apertado de espaço e ofegante, o café também não ajudou. Parti a puta da porta e o ar húmido e frio da noite entranharam-se nos pulmões, merda para o tabaco, só problemas. 
Ouvia o barulho de dezenas de botas a chegar cá acima, também não me ralava muito, a minha hora avizinhava-se curta e já sem nada para oferecer, nada...

- Já temos a ambulância e os bombeiros a caminho, a partir daqui assumimos o controlo, suspeito que o sujeito vai cometer suicídio voluntário, temos que evitar que caía, nem que tenhamos de recorrer a disparos para o imobilizarmos, entendido?
- Sim

MÃOS AO ALTO.

A voz da autoridade já não fazia sentido, sabia bem o que tinha acontecido, e o que me esperava. Para trás ficou uma mulher e filho, assassinados por um assaltante de meia tigela, tudo por causa da mala nova, que com tanto esforço e carinho, ofereci à minha mais que tudo. Teve mais olhos que barriga e ceifou a vida deles, deixando-me só, sem nada mais para amar. Sociedade nojenta esta, que deixa estas ratazanas cada vez mais grávidas e sedentas, pelas entranhas das ruas e jardins, apanhando tudo o que aparece a troco de trocos ou quase nada, parasitas...

MÃOS AO ALTO.

Nem tive tempo de me despedir, de dar um beijo de boa noite ao meu menino, quatro anos...quatro anos...tinha tantos planos para ele,  seria só tu e eu, só tu e eu...e a minha morena, os teus olhos castanhos, gravados na minha memória...tão felizes que fomos, foram os quinzes anos mais felizes da minha vida, agora reduzidos a estes breves momentos, momentos de solidão, angústia e medo, daquele que cá ficou, destroçado...

AFASTE-SE DA BEIRA, VOLTE PARA TRÁS.

Onde quer que estejam, irei estar convosco, irei abraçá-los com toda a força que tiver, quero acreditar que sim...

VOLTE PARA TRÁS OU DISPARAMOS.

Tarde demais, já nada me prende aqui, só levo comigo a foto de nós os três, alegres...contigo a soprar as quatro velas...com a morena a fazer-me cocegas...o meu pai que tirou a foto, ria-se de perdido, ainda me lembro das várias tentativas para tirar esta foto...meu querido pai...

Já vou a caminho...preciso...

Bang       Bang       Bang

..de vocês...


Por vezes, algumas almas deixam o seu estado, para voltarem novamente ao mundo dos vivos, talvez por injustiça, como se processa, ainda ninguém sabe.


- Força, força.
- Haaaaa...haaaaaaa...
- Está quase, mais um pouco de força.
- Huummm, haaaaaa...

- Já está, que bébé tão bonito.

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