Décimo terceiro andar, não tinha mais por onde subir, estava apertado de espaço e ofegante, o café também não ajudou. Parti a puta da porta e o ar húmido e frio da noite entranharam-se nos pulmões, merda para o tabaco, só problemas.
Ouvia o barulho de dezenas de botas a chegar cá acima, também não me ralava muito, a minha hora avizinhava-se curta e já sem nada para oferecer, nada...
- Já temos a ambulância e os bombeiros a caminho, a partir daqui assumimos o controlo, suspeito que o sujeito vai cometer suicídio voluntário, temos que evitar que caía, nem que tenhamos de recorrer a disparos para o imobilizarmos, entendido?
- Sim
- MÃOS AO ALTO.
A voz da autoridade já não fazia sentido, sabia bem o que tinha acontecido, e o que me esperava. Para trás ficou uma mulher e filho, assassinados por um assaltante de meia tigela, tudo por causa da mala nova, que com tanto esforço e carinho, ofereci à minha mais que tudo. Teve mais olhos que barriga e ceifou a vida deles, deixando-me só, sem nada mais para amar. Sociedade nojenta esta, que deixa estas ratazanas cada vez mais grávidas e sedentas, pelas entranhas das ruas e jardins, apanhando tudo o que aparece a troco de trocos ou quase nada, parasitas...
- MÃOS AO ALTO.
Nem tive tempo de me despedir, de dar um beijo de boa noite ao meu menino, quatro anos...quatro anos...tinha tantos planos para ele, seria só tu e eu, só tu e eu...e a minha morena, os teus olhos castanhos, gravados na minha memória...tão felizes que fomos, foram os quinzes anos mais felizes da minha vida, agora reduzidos a estes breves momentos, momentos de solidão, angústia e medo, daquele que cá ficou, destroçado...
- AFASTE-SE DA BEIRA, VOLTE PARA TRÁS.
Onde quer que estejam, irei estar convosco, irei abraçá-los com toda a força que tiver, quero acreditar que sim...
- VOLTE PARA TRÁS OU DISPARAMOS.
Tarde demais, já nada me prende aqui, só levo comigo a foto de nós os três, alegres...contigo a soprar as quatro velas...com a morena a fazer-me cocegas...o meu pai que tirou a foto, ria-se de perdido, ainda me lembro das várias tentativas para tirar esta foto...meu querido pai...
Já vou a caminho...preciso...
Bang Bang Bang
..de vocês...
Por vezes, algumas almas deixam o seu estado, para voltarem novamente ao mundo dos vivos, talvez por injustiça, como se processa, ainda ninguém sabe.
- Força, força.
- Haaaaa...haaaaaaa...
- Está quase, mais um pouco de força.
- Huummm, haaaaaa...
- Já está, que bébé tão bonito.
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